sexta-feira, 24 de junho de 2011

Apologia Da História








O título e subtítulo APOLOGIA DA HISTÓRIA OU COMO E POR QUE TRABALHA UM HISTORIADOR exprimem bem as intenções de Marc Bloch. O subtítulo definitivo, O OFÍCIO DO HISTORIADOR, que substituirá pertinentemente o primeiro subtítulo, ressalta outra preocupação de Marc Bloch: definir o historiador como um homem de ofício.
Marc Bloch não se contenta em definir a história e o ofício de historiador, mas quer também assinalar o que deve ser a história e como deve trabalhar o historiador.
A própria expressão ‘’legitimidade da história’’, empregada por Marc Bloch desde as primeiras linhas, mostra que para ele o problema epistemológico da história não é apenas um problema intelectual e científico, mas também um problema cívico e mesmo moral.
E imediatamente numa perspectiva de história comparativa, Marc Bloch assinala que, ‘’diferentemente de outros tipos de cultura, a civilização ocidental sempre esperou muito de sua memória’’, e assim é introduzido um par fundamental para o historiador e para o amante da história: história e memória.
Seguem-se algumas linhas resumidas por uma fórmula lapidar, da qual talvez ainda não se tenha extraído toda a fecundidade.
Embora depois de Marc Bloch estime que os franceses mostram menos interesse por sua história do que os alemães pela sua, não estando seguro disso. Esse juízo emitido sobre as relações dos franceses com sua história também é marcado pela angústia da derrota, e o pessimismo no qual vive Marc Bloch o leva a previsões apocalípticas.
Entretanto, mal Marc Bloch evocou esse apocalíptico fim da história, seu olhar mais lúcido de historiador, alimentado pelo otimismo fundamental do homem, propõe uma visão dos acontecimentos históricos mais serena e mais esperançosa.
Escutemos bem Marc Bloch. Ele não diz: a história é uma arte, a história é literatura. Buscando definir ‘’a utilidade’’ da história, Marc Bloch encontra então o ponto de vista dos ‘’positivistas’’. Seria preciso um estudo aprofundado desse termo e de seu uso por Marc Bloch e pelos historiadores dos Annales.
O que Marc Bloch não aceitava em seu mestre Charles Seignobos, principal representante desses historiadores ‘’positivistas’’, era iniciar o trabalho do historiador somente com a coleta dos fatos.
Aqui aparecem duas palavras-chave para compreender o temperamento de historiador de Marc Bloch. ‘’Mutilação’’, Bloch recusa uma história que mutilaria o homem, ‘’Fome’’:a palavra já evoca a célebre frase inscrita desde o primeiro capítulo do livro:’’O bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça.’’
Embora  não seja ‘’positivista’’ para Marc Bloch, a história não deixa de ser uma ciência. Ele não pede á história que defina falsas leis, as quais a intrusão incessantemente do acaso torna impossíveis. A história deve portanto se colocar numa dupla situação:’’o ponto’’ que, como ‘’cada disciplina’’, ela  ‘’atingiu na curva de seu desenvolvimento’’, curva esta ‘’sempre um pouco entrecortada’’.
Nessa marcha rumo á inteligibilidade, porém, a história ocupa um lugar original entre as disciplinas do conhecimento humano.
O historiador não pode ser um sedentário, um burocrata da história, deve ser um andarilho fiel a seu dever de exploração e de aventura. Historiadores antes de Marc Bloch e também de sua época, resignaram-se a ver na história apenas ‘’uma espécie de jogo estético’’, e certos especialistas em ciências sociais admitiram ‘’deixar finalmente fora do alcance desse conhecimento dos homens inúmeras realidades demasiado nas humanas, mas que lhes pareciam desesperadamente rebeldes a um saber racional.’’
A influência de Durkheim sobre Marc Bloch e os primeiros Annales deve ser observado com atenção, pois o marcou profundamente, mas também será preciso observar que Marc Bloch sempre resistiu aos encantos da sociologia e em primeiro lugar, da sociologia durkheimiana.
Embora Marc Bloch dê mais atenção ao coletivo do que ao individual, ele não deixa por isso de fazer do indivíduo um dos pólos de interesse da história. Depois de ter alfinetado Paul Valéry, a quem criticará mais adiante por desconhecer que é a verdadeira história e justificar a ignorância declarando que a história é o ‘’produto mais perigoso que a química do cérebro já elaborou’’. A história que ele e seus amigos historiadores pretendem é uma ‘’história ao mesmo tempo ampliada e mais aprofundada.’’
Quanto ao desígnio do livro, a defesa e ilustração da ciência histórica, situa-se no nível do ofício:’’dizer como e por que um historiador pratica seu ofício’’, termo ainda mais pascaliano de um caçador, de um pesquisador , que prefere a busca á presa.
Marc Bloch declara não ter uma cabeça filosófica e não detesta nada tanto quanto a preguiça e a passividade de espírito, não quer se limitar a dizer o que é a história e como é feita e escrita.
Em primeiro lugar vêem a definição de história: a história é busca, portanto escolha. Seu objetivo não é o passado.
O pensamento de Marc Bloch é convergente com o de Bergson, filosofia da duração e da fluidez do pensamento e da vida. A história, ciência do tempo e da mudança, coloca a cada instante delicados problemas para o historiador. Essa concepção do tempo implica a renúncia ao ‘’ídolo das origens’’, ‘’as origens são um começo que se explica’’.
A elaboração e a prática de um ‘’método prudente regressivo’’ são um dos legados essenciais de Marc Bloch, e essa herança tem sido até agora muito insuficientemente recolhida e explorada. Então o historiador poderá capturar sua presa, a ‘’mudança’’, entregar-se com eficiência ao comparativismo histórico e empreender ‘’a única história verdadeira a história universal’’.
‘’A ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente, comprometendo, no presente, a própria ação’’ constitui a primeira. A segunda é ‘’O homem também mudou muito: em seu espírito e, sem dúvida, até nos mais delicados mecanismos de seu corpo. Enfim, essa história ampla, profunda, longa, aberta, comparativa não pode ser realizada por um historiador isolado.
Assim delimitados, sem outras fronteiras senão as dos homens e do tempo, seu domínio e sua ‘’démarche’’, o historiador pode sentar-se á sua mesa de trabalho.
É preciso estudar o honesto Marc Bloch, que aconselha ao historiador saber dizer ‘’não sei, não posso saber’’, nesse ponto, porém, Marc Bloch parece um pouco pessimista. Aliás, em sua busca dos testemunhos, o medievalista, segundo Marc Bloch, deverá interrogar por exemplo, a vida dos santos, que ele achará ‘’de um valor inestimável’’ quanto ás que fornecem ‘’sobre as maneiras de viver ou de pensar( A Sociedade Feudal) específicas das épocas em que foram escritas’’. O essencial é enxergar que os documentos e os testemunhos ‘’só falam quando sabemos interrogá-los...; toda investigação histórica supõe, desde seus primeiros passos, que a investigação já tenha uma direção’’.
Outra ilusão de certos eruditos: ’’ imaginar que a cada problema histórico corresponde um tipo de documento, específico para seu uso’’.
Marc Bloch também está atento á transmissão dos testemunhos, aos encontros entre historiadores (em congressos internacionais das ciências históricas nos anos 20 e 30), ás ‘’trocas de informações’’, a tudo chamaríamos hoje de comunicação em história.
Ele almeja em primeiro lugar um acordo da comunidade doa historiadores para definir ‘’previamente, por comum acordo, alguns grandes problemas dominantes’’ e, espera que as ‘’sociedades consentirão enfim em se organizar racionalmente, com sua memória, com seu conhecimento de si próprias’’.
Marc Bloch crítica e diz que um objetivo ainda não plenamente alcançado na atualidade, o relato por parte do historiador dos problemas e da história de sua investigação, esboçando assim sua história e designa seu momento decisivo no século XVII:eis as data de nascimento dos três grandes nomes da crítica histórica:o jesuíta Paperbroeck, nascido em 1628, dom Mabillon, o beneditino de Saint-Maur, nascido em 1632, Richard Simon, nascido em 1638. Por trás deles, Marc Bloch está sempre preocupado em situar a história em  um momento de pensamento, dois grandes filósofos, Espinosa, nascido em 1632, e Descartes.
Mas a crítica histórica enrosca-se numa erudição rotineira que se priva ‘’dessa surpresa sempre renascente que a luta com o documento é a única a proporcionar’’.
Marc Bloch estende-se longamente sobre um problema caríssimo a ele, o da ‘’busca do erro e da mentira’’, dos quais teve a experiência não apenas em seu trabalho de historiador, mas também como soldado, através de falsas notícias da Grande Guerra.
Marc Bloch saúda o nascimento de uma disciplina ‘’quase nova’’: a psicologia dos testemunhos, disciplina está que se desenvolveu e que inspirou grandes colóquios. Ele desenvolve uma tentativa de uma lógica do método crítico eu que lhe permite recolocar novamente, com características próprias a história no conjunto das ciências do real, sempre sensível á unidade do conhecimento.
Detestando historiadores que ‘’julgam’’ em lugar de compreender, não deixa por isso de enraizar mais profundamente a história na verdade e na moral, compreender, portanto, não julgar, aparecendo aí a ‘’análise histórica’’. Essa análise dedica-se particularmente a referenciar as ligações comuns a um grande número de fenômenos sociais. Um aspecto importante da análise histórica é o do vocabulário, da ‘’nomenclatura’’.
É preciso sempre estar voltado para as camadas da sociedade humana mergulhadas na história. Marc Bloch explicita com louvor algumas mensagens de grande importância para historiadores e amantes da história: começando com um protesto contra o ‘’positivismo’’ dentro da história, em seguida, a designação de um novo ídolo a ser banido da problemática do historiador. A superstição da causa única. Marc Bloch aponta sobre este propósito outro erro: aquele no qual se inspirava o pseudo-determinismo geográfico, hoje definitivamente arruinado.
Marc Bloch e os Annales triunfaram e  sua concepção de história conquistou a ciência histórica, esta afirmação errônea ou maliciosa esconde duas verdades: se Marc e os Annales tiveram influência decisiva na história, esta renovação foi limitada e segunda é que um livro como o de Marc conserva uma grande parte de sua novidade, sua necessidade, e que é preciso reencontrar sua eficácia.
Bloch tratava-se em primeiro lugar de um indivíduo inteligente e sensível, homem e cidadão assim como professor e historiador, tomado de certeza mas consciente da juventude incerta a ciência histórica. A obra em questão: APOLOGIA DA HISTÓRIA é também um produto momentâneo, podendo dizer que se trata de uma obra inacabada, porém um ato completo de história.

Referência:

BLOCH, Marc. Apologia da História ou Ofício do Historiador. Rio de Janeiro:Jorge Zahar,2001.

Fichamento feito por:Jullyana Silva =)

Nenhum comentário:

Postar um comentário